Durante séculos, o Rossio foi muito mais do que o coração comercial e social de Lisboa. Era também o palco do medo. No centro daquela praça, hoje atravessada por turistas, erguiam-se outrora os patíbulos e forcas onde a justiça do reino exibia o seu poder diante de todos. As execuções públicas eram acontecimentos que paravam a cidade, momentos em que o castigo se transformava em espetáculo e a obediência se impunha pelo terror.
Desde a Idade Média que o Rossio servia de cenário às penas capitais. As manhãs de execução começavam cedo. Os sinos tocavam, os guardas abriam passagem entre a multidão e o condenado era conduzido em procissão desde o Limoeiro ou de outra cadeia da cidade, escoltado por frades que lhe ofereciam a última confissão. A praça enchia-se de curiosos — homens, mulheres e até crianças — ansiosos por assistir ao desenlace. Para muitos, era uma espécie de cerimónia moral: via-se o castigo como uma lição pública, uma forma de mostrar que o crime, a rebelião ou a heresia tinham sempre o mesmo fim.
A execução variava conforme o crime. A forca era o método mais comum, mas a fogueira, o pelourinho e até o esquartejamento foram usados em tempos de maior severidade. Os condenados por traição ou heresia, como nos autos de fé da Inquisição, ardiam perante o povo e as autoridades civis e religiosas, enquanto os carrascos, vestidos de negro, cumpriam o ritual com frieza. No caso dos ladrões e assassinos, bastava a forca: uma corda, uma trave e um silêncio pesado logo após o último suspiro.
Havia uma ordem e uma teatralidade nestes atos. O povo assistia em massa, uns por curiosidade, outros por superstição, alguns por sincero desejo de justiça. As janelas das casas próximas enchiam-se de gente. Os vendedores ambulantes aproveitavam para fazer negócio. Tudo parecia uma festa sombria, uma coreografia entre o castigo e a rotina. A autoridade do rei e da Igreja tornava-se visível na praça, e todos compreendiam que o poder não era uma abstração: era algo que podia cortar o ar com o som de uma corda a estalar.
Após a execução, o corpo podia permanecer exposto durante horas ou dias, como aviso. O cheiro e o cadáver eram parte da lição. À noite, o Rossio voltava ao bulício de sempre — tabernas, pregões e passos apressados —, mas a marca da morte permanecia.
Com o passar dos séculos, e sobretudo a partir do Iluminismo, as execuções públicas começaram a ser criticadas como bárbaras e contraproducentes. Mesmo assim, em Lisboa, continuaram até ao século XIX. Quando o último patíbulo foi desmontado, a cidade respirou de alívio, como se encerrasse uma era de ferro. Mas o Rossio, que fora palco de feiras, revoltas e condenações, nunca esqueceu que ali o poder fez do medo a sua mais visível demonstração.
O degredo foi, durante séculos, uma das punições mais temidas no império português. Para muitos condenados, a sentença não era apenas um castigo judicial, mas uma despedida sem regresso. Ser degredado significava ser arrancado de Portugal, da família e de tudo o que era familiar, e lançado para as franjas mais distantes do mundo português — de Angola ao Brasil, da Índia a Timor — com a ordem implícita de sobreviver ou morrer longe da pátria.
O degredo podia resultar de crimes graves, como homicídio, mas também de ofensas menores, como furtos, adultério, blasfémia ou comportamentos considerados escandalosos. A justiça da época via-o como uma forma dupla de punição: livrava o reino de gente “indesejada” e, ao mesmo tempo, reforçava a presença portuguesa nas colónias, onde a falta de mão-de-obra era constante. Muitos condenados eram enviados para guarnições militares, para trabalhar nas obras públicas ou para lavrar terras ainda por ocupar.
Para os lisboetas, a travessia começava no cais junto ao Terreiro do Paço ou à Ribeira das Naus, onde os degredados eram embarcados sob vigilância. Iam acorrentados, mal alimentados e quase sempre misturados com soldados, escravos e marinheiros. As viagens eram longas, penosas e marcadas por doenças, fome e violência. Muitos morriam antes de chegar ao destino. Os que sobreviviam, ao desembarcar, não encontravam a liberdade. Tornavam-se servos forçados, sujeitos à autoridade do governador local ou de quem os reclamasse como trabalhadores.
Nas colónias, o degredado era visto com desconfiança. Não tinha estatuto nem proteção. Era um exilado dentro do próprio império. Alguns tentavam reabilitar-se, casando com mulheres locais, trabalhando ou servindo na milícia. Outros fugiam para o interior, misturando-se com indígenas ou africanos. Uns poucos conseguiam, ao fim de muitos anos, regressar a Portugal, mas a maioria desaparecia sem deixar rasto.
O degredo também era uma forma de controlo social. As autoridades sabiam que o medo de ser enviado “para o outro mundo” bastava para conter muitos comportamentos. O próprio termo “degredo” entrou na linguagem popular como sinónimo de afastamento total, quase morte civil. Era uma justiça sem misericórdia, que julgava mais pela utilidade do castigo do que pela recuperação do condenado.
O sistema só começou a ser reformado no final do século XVIII, quando se começou a discutir a crueldade das penas e a utilidade de povoar as colónias com criminosos. Ainda assim, a prática do degredo manteve-se até ao século XIX. Milhares de portugueses viveram — e morreram — longe, não por escolha, mas porque a justiça do reino decidira que o seu castigo seria sobreviver no outro lado do mundo.
Lisboa no século XVII era uma cidade que nunca dormia verdadeiramente, mas não pelo bulício alegre que hoje se associa à vida noturna. À noite, Lisboa era um labirinto escuro, de ruas estreitas e tortuosas, onde o medo caminhava com o vento. O silêncio era quebrado por gritos ocasionais, pelo ladrar dos cães vadios e, sobretudo, pela voz rouca dos quadrilheiros — os homens encarregados de manter a ordem quando quase ninguém ousava sair de casa.
Os quadrilheiros eram figuras fundamentais na Lisboa antiga. Não existia polícia como a conhecemos hoje; em vez disso, havia uma espécie de milícia urbana formada por homens escolhidos entre os moradores das freguesias. Muitos eram artesãos, pequenos comerciantes ou soldados reformados, obrigados por lei a desempenhar turnos noturnos em nome da segurança pública. Patrulhavam a cidade armados com lanças, varapaus ou espadas curtas, iluminando-se com archotes que projetavam sombras ameaçadoras nas paredes de cal gastas.
Durante as rondas, gritavam as horas e o estado do tempo: “Deus vos dê boa noite! São duas horas e está sereno!”, repetiam, para que os lisboetas soubessem que a cidade não estava totalmente entregue à escuridão. Era também uma forma de avisar que estavam a cumprir o seu dever — e, por vezes, de afastar possíveis malfeitores que se escondessem nas esquinas. Contudo, nem sempre bastava a voz. Os roubos, as agressões e as brigas eram frequentes, sobretudo nas zonas mais pobres e nas imediações do porto, onde marinheiros embriagados e prostitutas conviviam entre tabernas e becos perigosos.
As rondas dos quadrilheiros eram duras e perigosas. Não havia iluminação pública eficaz, e os becos podiam esconder qualquer ameaça. Quando suspeitavam de um crime ou de uma reunião clandestina, batiam às portas, exigiam explicações e, em casos mais graves, prendiam os suspeitos. Tinham autoridade para deter em nome do rei e, se alguém resistisse, podiam usar a força. Muitos acabavam feridos ou mortos durante o serviço, e as famílias pouco mais recebiam do que o silêncio e o sentimento de que “morreram a servir a justiça de Sua Majestade”.
Lisboa, à noite, não era só um lugar de perigo. Era também o retrato de uma cidade que vivia entre o medo e a fé. O toque das badaladas da Sé anunciava o recolher obrigatório — quem fosse apanhado nas ruas sem motivo podia ser levado preso. Os quadrilheiros, por isso, tinham de equilibrar a autoridade com alguma humanidade. Sabiam que muitos dos que encontravam à noite eram apenas gente pobre a regressar do trabalho, mulheres a procurar comida ou marinheiros recém-desembarcados que não tinham onde dormir.
Com o passar das décadas, os quadrilheiros foram sendo substituídos por forças mais organizadas, até que, em 1760, após o terramoto, o Marquês de Pombal criou a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Reino, embrião da polícia moderna portuguesa. Mas no século XVII, a segurança de Lisboa dependia desses homens anónimos, de passos firmes e vozes que ecoavam na noite, lembrando à cidade adormecida que ainda havia quem vigiasse as suas sombras.
Na memória da velha Lisboa ficaram essas patrulhas noturnas, o som das horas gritadas no escuro e o brilho vacilante das tochas refletido nas janelas. Eram os guardiões de uma cidade inquieta, onde cada noite podia ser a última, e onde o simples ato de vigiar era, muitas vezes, uma forma de coragem silenciosa.
No coração de Lisboa, entre a Sé e Alfama, erguia-se um edifício sombrio que parecia respirar miséria: a Cadeia do Limoeiro. Quem por ali passava sentia o cheiro antes de ver as grades — uma mistura de suor, humidade, mofo e medo. Chamavam-lhe cadeia, não prisão, porque naquele tempo o cárcere não servia para reabilitar, mas para punir, humilhar e esquecer. Era um inferno de pedra onde a justiça portuguesa do Antigo Regime mostrava o seu rosto mais cruel.
As cadeias de Lisboa eram o espelho da própria cidade: cheias, desorganizadas e profundamente desiguais. O Limoeiro era a mais famosa, mas não a única. Havia também o Aljube, para presos eclesiásticos e mulheres, e a Cadeia da Relação, destinada a nobres e a réus de maior estatuto. No entanto, o Limoeiro concentrava a miséria comum: o povo, os criminosos, os vagabundos e os desgraçados que não tinham padrinhos. Muitos entravam por um pequeno delito e nunca mais saíam, não por força da lei, mas por esquecimento.
O interior era um labirinto de corredores escuros e celas húmidas. As paredes choravam água, as janelas eram raras e pequenas, e o ar era denso, quase irrespirável. No verão, o calor tornava-se insuportável; no inverno, a humidade transformava o chão em lama. O espaço era insuficiente para todos, e os presos dormiam amontoados, partilhando o chão, as pulgas e os ratos. O silêncio nunca existia: havia sempre gritos, tosses, lamentos ou orações.
A vida dentro das celas dependia do dinheiro e das ligações. Quem pudesse pagar ao carcereiro tinha uma cela melhor, uma manta, talvez uma cama. Havia presos com criados, comida trazida de fora e até vinho. Os pobres, por sua vez, viviam do que os frades traziam ou do que os companheiros deixavam sobrar. Os mais fortes mandavam nos mais fracos. Tudo se comprava e tudo se vendia: pão, vinho, roupa, paz por um favor. A corrupção era o sistema invisível que mantinha o Limoeiro a funcionar.
As doenças eram inevitáveis. A febre, a sarna e a disenteria dizimavam os presos, e muitos morriam antes mesmo de serem julgados. Quando o corpo ficava inerte, arrastava-se até ao pátio e esperava-se que os homens da misericórdia o viessem buscar. A morte era tão comum que já ninguém se impressionava. Os sobreviventes habituavam-se ao cheiro e à sombra — aprendiam a respirar menos e a falar pouco.
Não havia separação rigorosa entre homens e mulheres. Em dias de sobrelotação, misturavam-se nos corredores e partilhavam os mesmos espaços. As violações eram frequentes, mas raramente denunciadas. As autoridades fingiam não saber e os carcereiros aproveitavam o medo para impor o silêncio. Era uma lei não escrita: quem falasse, sofria.
As penas longas eram raras, porque a justiça portuguesa preferia o exemplo à duração. Quem fosse condenado por roubo podia ser açoitado em público e solto; quem matasse podia ser degredado para o Brasil, para Angola ou para morrer nas galés. As cadeias serviam, sobretudo, como antecâmara do castigo. Os que esperavam julgamento viviam sem saber se o dia seguinte lhes traria a forca, o degredo ou o perdão.
Apesar de tudo, o Limoeiro tinha vida própria. Criaram-se ali laços improváveis: amizades, alianças, compadrios e até casamentos. Havia músicos que tocavam por comida, poetas que escreviam versos nas paredes e pregadores que rezavam por salvação. A humanidade resistia, mesmo sob as correntes.
Quando o terramoto de 1755 abalou Lisboa, o Limoeiro ruiu parcialmente. As pedras abriram-se, as grades cederam e dezenas de presos fugiram. Alguns morreram esmagados, outros aproveitaram o caos para desaparecer. Durante dias, a cidade não soube distinguir entre os mortos e os fugitivos. Para muitos, aquele desastre foi o único momento de liberdade que conheceram.
O Limoeiro manteve-se de pé depois, reconstruído, e continuou a servir de prisão até ao século XX. As suas paredes viram séculos de dor e injustiça, e o seu nome ficou gravado como símbolo do pior da justiça antiga: uma justiça feita de poder, desigualdade e castigo. Hoje, quando se passa por ali e se olha para o que resta, é difícil imaginar o sofrimento que aquele lugar encerrou. Mas ele existiu — e faz parte da história profunda de Lisboa, essa cidade onde o brilho do império e a sombra da miséria sempre caminharam lado a lado.
Antes de 1755, Lisboa era uma cidade viva e inquieta, densa e barulhenta, uma mistura de grandeza e desordem que espelhava tanto o esplendor do império como o peso da sua própria miséria. Vista do Tejo, parecia majestosa, coroada pelas colinas e pelos conventos, com o castelo a dominar as águas e as cúpulas a refletirem o sol. Mas bastava entrar pelas suas ruas para sentir outro mundo: o de uma cidade antiga, amontoada e imprevisível, onde o quotidiano era feito de ruído, cheiros e medo.
A Baixa, o coração comercial, era um labirinto de ruelas tão estreitas que dois carros não se cruzavam. As casas subiam em altura, de madeira e alvenaria, pendendo umas sobre as outras como se desafiassem o equilíbrio. De cada janela pendiam roupas, gaiolas, cestos e bandejas, e por baixo, um constante formigueiro de gente: mercadores, criados, escravos, freiras apressadas, marinheiros bêbados e vendedores ambulantes. O ar cheirava a peixe, a vinho e a fumo. Quando chovia, a água descia pelas encostas em torrentes e transformava as ruas em lama e esgoto.
O ruído era incessante. Carruagens rangiam, sinos tocavam sem cessar, os pregões das varinas e dos aguadeiros cruzavam-se com as vozes dos frades a rezar nas igrejas. À noite, quando o comércio fechava e as portas se trancavam, Lisboa não adormecia: continuava viva, com os cães vadios a ladrar, as tabernas a ecoar e os quadrilheiros a rondar, gritando as horas para provar que a cidade estava vigiada. Era um ritual antigo, uma espécie de batimento cardíaco urbano, que se ouvia entre o Rossio e Alfama, pelas encostas do Castelo e até ao Bairro Alto.
A insegurança era uma constante. A cidade vivia em alerta, não apenas por medo de ladrões, mas de algo mais terrível: o fogo e o terramoto. As casas, feitas de madeira, ardiam com facilidade, e bastava uma vela esquecida ou uma cozinha descuidada para que um bairro inteiro se perdesse. Quando o vento soprava forte, o som das chamas espalhava o pânico. Os incêndios eram combatidos à força de baldes e orações, e o toque dos sinos de alarme ecoava por toda a cidade, misturando-se com o choro e as vozes que pediam ajuda.
Havia também o medo invisível, o medo que vinha da terra. Lisboa já tinha tremido antes: em 1321, em 1356, em 1531. Muitos sabiam desses dias e contavam histórias sobre ruas que se abriram, igrejas que ruíram e o Tejo que recuou como se respirasse. Cada tremor, mesmo pequeno, era interpretado como castigo divino. A cidade rezava, fazia procissões, e os padres lembravam do púlpito que só os justos seriam poupados.
Apesar de tudo, Lisboa era uma cidade orgulhosa, movida pela fé e pelo comércio. No Terreiro do Paço, o rei recebia embaixadores estrangeiros; no Rossio, faziam-se execuções públicas; e nas igrejas, o ouro vindo do Brasil reluzia nas capelas. Havia música nas ruas e procissões em cada esquina. O povo acreditava na força da cidade e na proteção dos santos, mesmo sabendo que vivia sobre um chão instável e frágil.
De noite, quem caminhava pelas vielas sentia a cidade respirar de forma própria. Os candeeiros a óleo lançavam sombras longas nas paredes, os gatos moviam-se silenciosos, e ao longe ouvia-se o bater das ondas no Cais do Sodré. Era uma Lisboa viva, contraditória, bela e perigosa, que misturava o perfume das flores dos conventos com o fedor dos esgotos.
Ninguém podia imaginar que tudo aquilo desapareceria numa manhã de novembro. Mas olhando para trás, percebe-se que essa Lisboa, com o seu caos e a sua alma medieval, já trazia dentro de si o pressentimento do desastre. Era uma cidade que vivia entre o esplendor e a ruína, entre a fé e o medo, entre a vida e o abismo. E quando o chão finalmente se abriu, não foi apenas uma cidade que caiu — foi todo um mundo que desapareceu sob os escombros, levando consigo séculos de história, ruído e humanidade.
O Alentejo prepara-se para acolher um projeto inédito na Europa: um santuário destinado a elefantes reformados. Em 2026, será transferido o primeiro animal a partir da Bélgica para integrar este espaço que ocupa cerca de 402 hectares no interior da região.
Sabe-se que o santuário terá capacidade para albergar entre 20 e 30 elefantes numa fase futura, oferecendo-lhes condições mais adequadas ao seu fim de vida longe dos tradicionais circos ou parques de distração. Para estes animais, trata-se de uma oportunidade de viverem em ambientes mais amplos, com mais liberdade de movimento, mais contacto com a natureza e menos stress – aspetos muitas vezes negligenciados nas suas anteriores vidas de exibição ou entretenimento.
Este projeto assume-se como uma mudança de paradigma em termos de bem-estar animal no continente europeu. A escolha do interior alentejano como local não é por acaso: a vasta extensão de terreno e a baixa densidade populacional oferecem um cenário ideal para se replicar aquilo que, até agora, só era possível em países com vastas reservas naturais — mas que, aqui, será adaptado ao contexto europeu.
A chegada dos elefantes da Bélgica marca também uma componente internacional do santuário, evidenciando uma articulação entre organizações de bem-estar animal, instituições de outros países europeus e autoridades portuguesas. Este tipo de cooperação tem vindo a ganhar relevo nos últimos anos, à medida que cresce a consciência relativamente aos impactos da exposição prolongada destes animais a condições inadequadas.
Pelo lado local, o projeto poderá trazer benefícios diversos: além da vertente ambiental e da promoção do bem-estar animal, há potencial para dinamização turística sustentável, criação de empregos na região e valorização do território do interior. Contudo, é importante que esta dinamização não se faça à custa do próprio objetivo principal — cuidar dos elefantes — e que se garanta que as exigências de manutenção, logística, segurança e saúde animal sejam plenamente satisfeitas.
Entre os desafios conta-se a necessidade de dispor de infraestruturas robustas, equipas qualificadas em veterinária e comportamento de elefantes, bem como assegurar financiamento contínuo para garantir que estes animais, alguns já em idade avançada ou com historial complexo, possam viver dignamente pelos restantes anos de vida. Outro desafio reside no equilíbrio entre acolher turistas ou visitas de estudo e preservar a tranquilidade dos animais, muitos dos quais precisarão de períodos de recuperação e adaptação.
Em suma, este santuário no Alentejo representa uma iniciativa corajosa e pioneira em Portugal e em toda a Europa. Se bem implementado, poderá servir de referência para futuros projetos semelhantes, mostrando que é possível conciliar conservação, bem-estar animal e desenvolvimento regional de forma responsável e humana. Resta acompanhar de perto a evolução do projeto e garantir que os elefantes que vierem para cá encontrem, realmente, um lugar de paz e respeito que, até agora, lhes era raramente concedido.
O primeiro trailer do filme Michael trouxe ao mundo não apenas a antecipação de uma das biografias mais esperadas de Hollywood, mas também uma revelação: Jaafar Jackson. O sobrinho de Michael Jackson surge no ecrã com uma presença tão natural que parece mais uma extensão do próprio tio do que uma simples interpretação. Desde os primeiros segundos do trailer, percebe-se que a escolha não foi apenas familiar, mas profundamente simbólica — como se a herança artística de Michael tivesse encontrado, finalmente, um novo rosto capaz de a honrar.
Jaafar, filho de Jermaine Jackson, cresceu rodeado pela música e pela aura do legado Jackson. Ainda assim, assumir o papel do tio mais famoso do mundo é uma responsabilidade quase impossível. O público, habituado a ver imitações e homenagens, raramente encontra uma representação que consiga capturar a essência daquele que redefiniu o conceito de estrela pop. Mas no caso de Jaafar, a semelhança física impressionante é apenas o início. A sua postura, o olhar concentrado, os gestos controlados, a energia contida antes de cada passo de dança — tudo transmite uma autenticidade que transcende a mera imitação.
O realizador Antoine Fuqua, conhecido pela intensidade emocional dos seus filmes, afirmou ter sentido uma “conexão espiritual” quando conheceu Jaafar. E essa frase ganha peso quando se observa o trailer. Há um respeito quase reverente nas interpretações das cenas icónicas — como o “moonwalk” ou os bastidores de Thriller — mas há também vulnerabilidade, o lado humano de Michael que o mundo raramente viu. Fuqua parece ter encontrado em Jaafar alguém capaz de expressar tanto a genialidade como a fragilidade de um artista que viveu entre a adoração e o isolamento.
O desafio de interpretar Michael Jackson vai muito além da música e da dança. É compreender o peso da fama, a solidão da infância roubada e as contradições de uma vida observada por todos. Jaafar, ainda no início da carreira, mostra uma maturidade invulgar ao abordar este papel. As primeiras reações ao trailer sublinham essa surpresa: não é apenas um jovem talentoso a desempenhar uma figura lendária, é alguém que parece compreender intimamente o significado de ser um Jackson — o fardo, o brilho e o legado.
O filme, com estreia marcada para abril de 2026, promete percorrer a vida de Michael desde os tempos dos The Jackson 5 até ao auge e à queda de uma carreira sem paralelo. Mas, no meio da grandiosidade da produção e das inevitáveis polémicas que a acompanham, o foco involuntariamente recai sobre Jaafar. O público parece ter encontrado nele não só o protagonista de um filme, mas um símbolo de continuidade. Um jovem que, em vez de fugir da sombra do apelido, decidiu iluminá-la por dentro.
Com cada movimento no trailer, Jaafar dá a entender que não está ali apenas para interpretar Michael Jackson — está ali para o compreender, para o humanizar e para o devolver ao público através de um olhar íntimo e respeitoso. Há momentos em que parece que o espírito do tio lhe sopra ao ouvido, corrigindo um passo, guiando um gesto, pedindo apenas verdade.
Se o filme Michael for capaz de manter o equilíbrio entre homenagem e honestidade, poderá ser mais do que uma biografia — poderá ser o reencontro de uma família com o seu próprio mito, e de um público com a memória viva de um génio. Nesse reencontro, Jaafar Jackson é o elo entre o passado e o presente, o herdeiro natural de uma história que continua a fascinar o mundo.
É com tristeza que se relata o falecimento do atleta Marshawn Kneeland, defesa da equipa dos Dallas Cowboys, aos 24 anos. A polícia da cidade de Frisco, no Texas, divulgou detalhes sobre as circunstâncias que rodearam esta tragédia.
Segundo o comunicado da Frisco Police Department, o incidente teve início quando Kneeland estava a tentar fugir de uma patrulha do Texas Department of Public Safety e se envolveu num despiste numa autoestrada da região. Após o acidente, fugiu do local a pé, levando as autoridades a mobilizar unidades cinotécnicas e drones para o localizar.
Durante a busca, os agentes receberam informação de que o jogador manifestara ideação suicida. Já nas primeiras horas da manhã, às 01h31 de quinta-feira, encontraram-no sem vida, com indícios de que teria sofrido um disparo autoinfligido. O exame médico-legal na Collin County Medical Examiner’s Office determinará oficialmente a causa e a natureza da morte.
A polícia de Frisco expressou as suas sinceras condolências à família e amigos de Kneeland. Esta é uma perda precoce e profundamente chocante — alguém jovem, com um futuro promissor na alta competição, cuja carreira e vida foram abruptamente interrompidas.
É importante lembrar que, quando alguém manifesta pensamentos suicidas ou sinais de crise emocional, não está sozinho. Existem linhas de apoio e ajuda disponíveis para quem esteja a atravessar um momento difícil.
A comunidade dos Dallas Cowboys e o mundo do desporto lamentam a partida de Marshawn Kneeland. A sua trajetória, embora breve, deixa uma marca de talento, esforço e impacto. Que a sua família encontre força neste momento doloroso — e que esta tragédia desperte uma maior atenção para o bem-estar emocional dos atletas e de todos nós.
No século VI, o mundo mediterrânico parecia ainda viver à sombra do antigo Império Romano. O imperador Justiniano sonhava restaurar a grandeza perdida de Roma, reconquistar os seus territórios e consolidar o poder de Constantinopla como centro do mundo civilizado. Mas, no meio desse sonho imperial, um inimigo invisível atravessou mares, portos e rotas comerciais: uma peste que mudaria o curso da história.
A Peste de Justiniano começou em 541, provavelmente no Egito, quando navios carregados de cereais destinados à capital imperial trouxeram também uma ameaça microscópica. As pulgas infectadas com a bactéria Yersinia pestis, transportadas por ratos, espalharam-se rapidamente pelas rotas comerciais que ligavam o Mediterrâneo. Quando a doença chegou a Constantinopla, a cidade mais populosa do mundo na época, com quase meio milhão de habitantes, o desastre revelou-se numa escala que ninguém imaginava.
Os relatos contemporâneos, sobretudo os de Procopio de Cesareia, descrevem cenas de horror: ruas cheias de corpos, o cheiro da morte a impregnar o ar, e o imperador ele próprio acometido pela doença, embora tenha sobrevivido. Em poucos meses, centenas de milhares de pessoas morreram. A peste não escolhia vítimas — atingia ricos e pobres, nobres e servos, soldados e monges. A cidade entrou em colapso: faltavam coveiros, os cadáveres eram empilhados em torres ou lançados ao mar, e o comércio parou quase por completo.
As consequências ultrapassaram em muito as fronteiras de Constantinopla. A peste espalhou-se por todo o Mediterrâneo, atingindo a Síria, a Pérsia, a Grécia, a Itália e até a Gália. Calcula-se que entre 25 e 50 milhões de pessoas morreram, talvez metade da população da região. Em zonas rurais inteiras, não restava quem lavrasse a terra ou colhesse o trigo. As colheitas perderam-se, as cidades despovoaram-se e a economia imperial, já sobrecarregada pelas guerras de reconquista, entrou em colapso.
Para Justiniano, o impacto foi devastador. O imperador, que sonhava restaurar o Império Romano do Ocidente e reunificar a Cristandade, viu o seu plano ruir com a perda de homens, recursos e estabilidade. As campanhas militares na Itália e no norte de África ficaram enfraquecidas, e o império mergulhou numa crise fiscal profunda. Ao mesmo tempo, as populações desmoralizadas interpretavam a peste como um castigo divino, um sinal de que o mundo estava a aproximar-se do fim.
A peste regressaria ciclicamente durante os dois séculos seguintes, impedindo qualquer recuperação plena. Cidades que haviam sido grandes centros comerciais transformaram-se em locais de desolação. A urbanização regrediu, o comércio marítimo reduziu-se drasticamente, e muitas regiões voltaram a uma economia de subsistência. O mundo mediterrânico entrou assim num período de retração e isolamento que marcaria o fim definitivo da Antiguidade Tardia.
Do ponto de vista histórico, a Peste de Justiniano foi mais do que uma tragédia humana — foi um ponto de viragem civilizacional. Enfraqueceu o Império Bizantino ao ponto de este nunca mais recuperar o esplendor do tempo de Justiniano, abriu caminho à expansão árabe no século seguinte e alterou profundamente o equilíbrio político e económico do mundo antigo.
O surto, que durante séculos permaneceu envolto em mistério, foi confirmado pela ciência moderna: análises genéticas a restos mortais medievais revelaram a presença da mesma bactéria responsável pela Peste Negra do século XIV. Isto mostra que a humanidade enfrentou duas vezes, separadas por quase oitocentos anos, a mesma ameaça biológica, com consequências igualmente devastadoras.
A Peste de Justiniano lembra-nos que o curso da história não depende apenas de impérios, batalhas ou reis, mas também de forças invisíveis, naturais e imprevisíveis, capazes de derrubar civilizações inteiras. Quando a doença parou o mundo antigo, não foi apenas um império que adoeceu — foi toda uma era que chegou ao seu fim silencioso.
A história da família Dallot começa numa Europa em mudança, no fim do século XIX, com três irmãos nascidos em França: Carlos, José e Júlia. Estes irmãos abraçaram o mundo do espetáculo muito antes de os holofotes saltarem para os grandes palcos fixos das capitais; o seu palco era a rua, a feira, a praça.
Instalados em Portugal, depois de digressões por Espanha e Inglaterra, os Irmãos Dallot fundaram uma companhia de teatro itinerante que atravessou o país de norte a sul. O repertório era vasto: números acrobáticos e ginásticos, palhaços, comédias populares, teatro mecânico, espetáculos multifacetados que combinavam riso, desafio físico e a leveza de uma arte acessível a todos.
O seu grande triunfo foi feito nessa junção entre espetáculo e familiaridade. Num tempo em que o entretenimento popular ainda se confundia com feira, os Dallot criaram quase um fenómeno cultural: a sua companhia tornou-se tão influente que autores da época como Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão referiram-nos nas “Farpas”, e Eduardo Noronha chamou ao teatro Dallot “o mais popular, o mais aplaudido, o que atingiu maior longevidade”.
Uma imagem singular da época mostra o humor e a irreverência do grupo: em 1879, uma caricatura de Bordalo Pinheiro aproveita o sucesso da opereta “O Processo Rasga”, encenada pelos Dallot como paródia da zarzuela espanhola “O Processo do Cancan”. Na caricatura, Carlos Dallot ergue-se no topo das escadas e proclama, em sotaque francês bem marcado: “Vai principiarrr, senhores, vai principiarrr…”; à direita, observa-se José Dallot da tribuna, pronto para comandar o público que se aproxima.
Mas mais do que o espetáculo, impressiona a continuidade e o impacto que esta família teve. O teatro itinerante já não era o centro do entretenimento popular — o mundo mudava, os tempos avançavam — e, ainda assim, os Dallot foram semeando talento e ligações familiares ao mundo das artes. Radicados em Portugal, acabaram por se ligar a outras dinastias teatrais, da qual saíram nomes como Palmira Bastos, Eunice Muñoz ou Camilo de Oliveira.
Um dos aspetos mais interessantes é como essa herança se prolonga até ao século XXI de forma inesperada. Dois primos, ambos trinetos de Carlos Dallot, despontaram no universo do futebol e do grande espetáculo global: Ruben Amorim, treinador, e Diogo Dalot, jogador, chegaram ao Manchester United — um clube que, hoje em dia, representa talvez o ápice do espetáculo desportivo mundial.
Há algo profundamente comovente nesta transição: de feiras e praças a estádios e televisões; de espetáculos ambulantes a grandes palcos internacionais; de acrobacias e teatro mecânico ao futebol-show. A família Dallot personifica essa transformação — não apenas enquanto artistas, mas enquanto vectores de mudança cultural e social. A longevidade do seu impacto, a forma como adaptaram o espetáculo à mobilidade e à modernidade, e como se mantiveram presentes através de gerações, transforma-os num caso exemplar de como o entretenimento popular pode evoluir sem perder as suas raízes.
Para quem se interessa por genealogia, por história das artes, ou simplesmente pela forma como famílias de criadores moldam o seu tempo, o legado dos Dallot serve de recordação da importância de saber reinventar-se. A memória dos seus espetáculos ambulantes pode ter-se desvanecido em parte, mas o seu espírito permanece — na alegria do público, no riso e no aplauso que ainda ressoam.
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